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Anestesia em Pacientes Hepáticos

Protocolos e Abordagens no HUWC-HSC

Apresentação: Dr. Cyro Vieira

Data:

Objetivos da Apresentação

Objetivos Gerais

  • Compreender a fisiopatologia hepática relevante para anestesia
  • Avaliar riscos anestésicos em pacientes hepáticos
  • Conhecer as particularidades do manejo perioperatório

Objetivos Específicos

  • Protocolos de avaliação pré-operatória
  • Escolha de agentes anestésicos
  • Monitorização intraoperatória
  • Cuidados pós-operatórios

Epidemiologia das Doenças Hepáticas

Prevalência Global

As doenças hepáticas afetam aproximadamente 844 milhões de pessoas mundialmente, com cirrose sendo responsável por mais de 1 milhão de mortes anualmente.

Implicações Anestésicas

  • 8-10% dos pacientes cirróticos necessitam de cirurgia anualmente
  • Mortalidade perioperatória pode chegar a 50% em Child C
  • Complicações em até 30% dos casos

A avaliação cuidadosa é essencial para reduzir morbimortalidade

Funções Hepáticas Relevantes para Anestesia

Metabolismo de Drogas

O fígado metaboliza a maioria dos agentes anestésicos através das enzimas do citocromo P450.

Síntese de Proteínas

Produz albumina e fatores de coagulação (II, V, VII, IX, X), essenciais para ligação de drogas e hemostasia.

Desintoxicação

Remove amônia, bilirrubina e outras toxinas que podem afetar a função cerebral.

Metabolismo Energético

Gliconeogênese, armazenamento de glicogênio e metabolismo lipídico.

Volume Sanguíneo

Armazena ~10% do volume sanguíneo total e regula o fluxo portal.

Função Imune

Células de Kupffer filtram bactérias e endotoxinas da circulação portal.

Classificação de Child-Pugh

Sistema de escore que avalia a gravidade da doença hepática e prediz mortalidade perioperatória.

Parâmetro 1 ponto 2 pontos 3 pontos
Bilirrubina (mg/dL) <2 2-3 >3
Albumina (g/dL) >3.5 2.8-3.5 <2.8
INR <1.7 1.7-2.3 >2.3
Ascite Ausente Leve-moderada Refratária
Encefalopatia Ausente Grau I-II Grau III-IV

Child A (5-6 pontos)

Mortalidade perioperatória: 10%

Sobrevida em 1 ano: 100%

Child B (7-9 pontos)

Mortalidade perioperatória: 30%

Sobrevida em 1 ano: 80%

Child C (10-15 pontos)

Mortalidade perioperatória: 50-80%

Sobrevida em 1 ano: 45%

Escore MELD (Model for End-Stage Liver Disease)

MELD = 3,78 × ln(bilirrubina [mg/dL]) + 11,2 × ln(INR) + 9,57 × ln(creatinina [mg/dL]) + 6,43

Interpretação do MELD

1

MELD <10

Baixo risco perioperatório (mortalidade ~5%)

2

MELD 10-15

Risco intermediário (mortalidade ~15%)

3

MELD 16-20

Alto risco (mortalidade ~25%)

4

MELD >20

Risco muito alto (mortalidade >50%)

Vantagens do MELD

  • Objetivo (baseado em exames laboratoriais)
  • Melhor preditor de mortalidade em 3 meses
  • Útil para priorização de transplante
  • Não depende de achados subjetivos

Limitação: Não considera hipertensão portal ou encefalopatia

Recomendações Baseadas no MELD

MELD <10 → Procedimento geralmente seguro
MELD 10-15 → Avaliar risco-benefício cuidadosamente
MELD >15 → Considerar adiar cirurgia eletiva
MELD >25 → Evitar cirurgias eletivas

Avaliação Pré-Operatória

Componentes Essenciais

  • 1 História completa e exame físico (buscar sinais de hipertensão portal, encefalopatia)
  • 2 Classificação Child-Pugh e cálculo do MELD
  • 3 Exames laboratoriais: hemograma, coagulograma, função hepática, eletrólitos, creatinina
  • 4 Avaliação cardiovascular (ECG, ecocardiograma se indicado)
  • 5 Avaliação pulmonar (gasometria, espirometria se cirrose)
  • 6 Endoscopia digestiva alta (rastreio de varizes)

Fatores de Alto Risco

Child-Pugh C ou MELD >15

Mortalidade perioperatória significativamente aumentada

Hiponatremia <130 mEq/L

Preditor independente de mortalidade

Encefalopatia hepática

Aumenta risco de complicações neurológicas

Cardiomiopatia cirrótica

Risco aumentado de insuficiência cardíaca

Pacientes com estes fatores exigem avaliação multidisciplinar e otimização pré-operatória

Otimização Pré-Operatória

Correção de Anormalidades Laboratoriais

  • 1 Coagulopatia: Vitamina K (5-10mg IV), FFP (10-15mL/kg), PCC se INR>1.5
  • 2 Trombocitopenia: Transfusão de plaquetas se <50.000/mm³
  • 3 Anemia: Transfusão se Hb<7-8g/dL (avaliar risco de sobrecarga volêmica)
  • 4 Hiponatremia: Correção lenta (não mais que 6-8 mEq/L/dia)
  • 5 Hipoalbuminemia: Albumina humana 20% se <2,5g/dL

Manejo de Complicações da Cirrose

  • 1 Ascite: Paracentese pré-operatória se volumosa (associada a albumina 6-8g/L removido)
  • 2 Encefalopatia: Lactulose e rifaximina, evitar sedativos
  • 3 Varizes: Beta-bloqueadores não seletivos (propranolol, carvedilol)
  • 4 Infecção: Antibioticoprofilaxia em cirurgias de alto risco
  • 5 Desnutrição: Suplementação nutricional (35-40 kcal/kg/dia, 1,2-1,5g proteína/kg/dia)

Timing Cirúrgico

Eletiva

Apenas após otimização completa (Child A/B, MELD<15)

Urgente

Avaliar risco-benefício, otimizar no perioperatório

Emergência

Manejo agressivo das complicações durante cirurgia

Considerações Anestésicas em Pacientes Hepáticos

Farmacologia Anestésica Alterada

Alterações Farmacocinéticas

  • ↑ Volume de distribuição (↓ albumina, ascite)
  • ↓ Ligação proteica (↑ fração livre de drogas)
  • ↓ Metabolismo hepático (↓ atividade enzimática)
  • ↓ Clearance (↓ fluxo sanguíneo hepático)

Alterações Farmacodinâmicas

  • ↑ Sensibilidade a sedativos (encefalopatia)
  • ↓ Resposta cardiovascular (cardiomiopatia cirrótica)
  • ↑ Shunt pulmonar (HPS)

Considerações Hemodinâmicas

Circulação Hiperdinâmica

  • ↑ Débito cardíaco (2-3x normal)
  • ↓ Resistência vascular sistêmica
  • ↓ Pressão de perfusão hepática
  • ↑ Shunt portossistêmico

Implicações Anestésicas

  • Hipotensão marcada com indução
  • Resposta exagerada a vasopressores
  • Risco de isquemia hepática

Princípios Gerais de Manejo

Doses

Reduzir doses de indutores e opioides em 30-50%

Monitorização

Considerar acesso arterial e cateter venoso central

Hidratação

Balancear risco de sobrecarga x hipoperfusão hepática

Agentes Anestésicos em Pacientes Hepáticos

Indutores Intravenosos

Droga Considerações Dose
Propofol Metabolismo hepático, mas clearance bem preservado ↓ 30-50%
Etomidato Boa estabilidade hemodinâmica, mas risco de supressão adrenal ↓ 20-30%
Tiopental Metabolismo hepático, longa duração ↓ 50%
Ketamina Pode aumentar pressão portal, útil em hipovolemia Dose padrão

Anestésicos Inalatórios

Droga Considerações Recomendação
Isoflurano ↓ Fluxo sanguíneo hepático, risco de hepatotoxicidade Evitar
Sevoflurano Menos efeito no fluxo hepático, metabolismo mínimo Droga de escolha
Desflurano Metabolismo mínimo, mas pode causar taquicardia Alternativa
Óxido Nitroso Risco de embolia gasosa em shunts portossistêmicos Evitar

Relaxantes Musculares

Droga Considerações Recomendação
Rocurônio Excreção biliar, duração prolongada ↓ Dose ou usar sugammadex
Vecurônio Excreção biliar, duração muito prolongada Evitar
Cisatracúrio Hofmann elimination, independente do fígado Droga de escolha
Atracúrio Hofmann elimination, mas libera laudanosine Alternativa

Analgésicos Opioides

Droga Considerações Dose
Fentanil Metabolismo hepático, mas curta duração ↓ 30%
Remifentanil Metabolismo por esterases plasmáticas Dose padrão
Morfina Metabolismo hepático, glicuronidação ↓ 50%
Buprenorfina Metabolismo hepático, mas alto clearance ↓ 30%

Monitorização em Pacientes Hepáticos

Monitorização Básica

  • 1 ECG contínuo: Arritmias são comuns em cirróticos
  • 2 Pressão arterial não invasiva: Limitações em hipotensão grave
  • 3 Oximetria de pulso: Importante na HPS e hipoxemia
  • 4 Capnografia: Avaliação de ventilação e shunt
  • 5 Temperatura: Risco aumentado de hipotermia
  • 6 BIS/Entropia: Útil devido à sensibilidade aumentada

Monitorização Avançada

  • 1 Pressão arterial invasiva: Recomendada em Child B/C ou cirurgias maiores
  • 2 Cateter venoso central: Avaliação de volemia e administração de vasopressores
  • 3 Gasometria arterial: Avaliação de oxigenação, acidose e eletrólitos
  • 4 Ecocardiografia transes